24 agosto 2009

Era Sábado

Era sábado, cerca de 11h00 da manhã, e eu seguia sozinho em direção ao caixa eletrônico do banco. Precisei sacar mais dinheiro por que todo o meu havia sido gasto nos dois dias anteriores, saldar algumas pequenas dívidas, livros, comida e um pouco de festa, afinal, ninguém é de ferro.

A última nota havia se transformado em meu café da manhã, algumas horas antes. Para garantir o almoço, teria que sacar dinheiro...

Atravessei a rua, do lado onde eu havia estacionado a moto para o lado onde o banco se localizava. Na calçada, uma jovem, segurando um bebê no colo (que nem tive o reparo de ver se era menino ou menina), trajada simplesmente em seus farrapos velhos, me pediu dinheiro.

Na reação impulsiva, neguei sem pensar e segui adiante... Entrei no banco.

Enquanto sacava dinheiro, minha consciência pesou. Eu sabia que deveria ajudar aquelas pessoas, ou meu dia não seria feliz. Foi quando verifiquei que estava com algumas moedas no bolso, troco daquela nota do café.

Ninguém gosta de carregar moedas, tem pouco valor e pesam muito mais do que notas... Não sou diferente.

Decidi resolver dois problemas, meus, ajudando aquela gente miserável: livrar-me das moedas e da culpa por não ter ajudado antes em apenas um único ato.

Na volta do banco, entreguei as moedas à mulher, que me agradeceu com algo próximo de um “Deus lhe abençoe”, que sinceramente, eu prefiro a um “Deus lhe pague”.

Meu dia não se perdeu, meu bolso ficou mais leve e por que não, minha consciência também.

Por vezes pensei naquela cena, em todas as emoções que dela afloraram, de todos os problemas sociais que a ela precederam e tudo aquilo que ainda há de vir.

Logo aquela criança não será mais vista como um pobre bebê que causa pena e dor na consciência daqueles que ali passam. Mantendo-se tudo, ela será mais um brasileiro sem oportunidades, que sem alimentação, educação e suporte adequados logo será vítima, ou causador de novos problemas sociais.

Quem sabe, um dia ainda vai vir a delinquir, ser presa e alguém vai tentar ‘recuperá-la’, reeducar quem não foi educado, incluir à sociedade quem dela nunca participou.

Sinceramente, é querer demais.

04 agosto 2009

A Semana Dele

A semana começava com um dia nublado, meio frio e além do mais, ele estava só. Seus compromissos profissionais o obrigavam a se levantar da cama, quando a coisa que mais desejava era permanecer ali deitado, o dia todo.

Tomou um café-da-manhã pobre, que condizia com toda a situação em contexto.

Já pronto para sair, dirigiu-se ao hall do seu andar. Na porta do elevador, outro rapaz, seu vizinho, também aguardava sua chegada. Ambos se olharam frustrados, por terem que dividir o elevador, quando desejavam estarem sós.

Pega seu carro e dirige em direção ao trabalho. Pessoas aguardavam no ponto de ônibus, algumas também iriam para o mesmo local, mas ele nem notou, descumprindo mais uma vez, a promessa que havia feito a si mesmo, enquanto ex-passageiro de ônibus, de sempre dar carona para conhecidos.

Ultrapassa alguns carros mais lentos, o que lhe dava uma sensação leve de satisfação, logo perdida quando não pode ultrapassar dois carros lentos que andavam paralelos, despreocupados.

No trabalho, se preocupou em terminar aquilo que lhe era esperado, dentro do prazo estipulado. Como servidor público que era, sabia que a eficiência seria premiada com uma maior quantidade de encargos. Fizera muito bem ao decidir manter-se despercebido.

Final de expediente, já era a hora do jantar. Vai até uma lanchonete no centro. Novamente sozinho, pede um lanche médio, que acabaria com sua fome média e custaria o preço normal de uma refeição.

Enquanto ele se aborrece pelos oito minutos de demora da chegada do lanche, na calçada, uma mãe pede esmolas com uma criança no colo e acompanhada de outra, de uns cinco anos, que olha fixamente, e apesar da fome latente, se limita a imaginar que gosto teria a Coca-Cola tomada por ele.

O lanche já se acabara e agora se limitava a beber, forçadamente, metade da garrafa de 600 mL que havia sobrado. Cinco minutos depois, sai, sem notar nada, nem ninguém.

Em casa, pragueja contra o provedor de internet, que, pela quinta vez no mês, falhava e o deixava sem acesso ao mundo exterior. Ainda existia a televisão, mas os três principais canais disputavam a audiência através de novelas fúteis, que propunham a discutir temas polêmicos em um segundo plano, para se limitar a problemas amorosos imaginários de um casal que, na vida real, nunca daria certo.

Mesmo na ficção, somente nas cabeças deturpadas e sombrias dos novelistas é que certas coisas acontecem.

Neste momento, ele se lembra da existência de pessoas que acreditavam serem reais os fatos ocorridos nas novelas. Por um momento, teve pena daquelas pobres pessoas, para logo em seguida, se sentir um ser superior, distante de uma realidade tão superficial. Logo ele, que ainda acreditava em política e democracia.

Os demais dias úteis daquela semana foram cópias, vezes mais, vezes menos, perfeitas daquela segunda-feira.

O sábado foi marcado por um dia inteiro só, em seu apartamento, sem nenhum grande feito.

No domingo, foi à missa e ouviu um sermão que convidava todos a olhar os menos favorecidos e a repartir algo com eles, nem que fosse apenas um sorriso ou uma palavra amiga.

O sermão o comoveu profundamente, tanto que prometeu, um dia desses, encontrar uma pessoa necessitada, pelas ruas e dar-lhe um marmitex para comer. Claro que seria um dos mais baratos, afinal, não queria ser um incentivador da mendicância, “Não dê esmolas, dê futuro!”.

Após mais um domingo, diante da televisão, foi dormir tranqüilo depois de ver o Cansástico. Pronto para recomeçar uma nova semana, com força total... ou não.